segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Churrasquinho na casa dos parentes



Domingo chegou. Céu azul ensolarado, uma brisa refrescante, programas televisivos chatos e a monotonia caseira reinando à minha volta. Claro que para não ficar "à toa" em casa, eu decidi fazer aquela visitinha (sempre cobrada há meses pela parentada) e bater um papo furado com aqueles primos que ainda me levam a "sério".

Bom, seria tudo dentro da minha programação normal, caso não aparecesse aquele tio beberrão que todos já imaginavam que tava internado de cirrose com a empolgante - e "original"! - idéia de fazer um churrasquinho no quintal. Não sou do tipo que fala mal de pobre, até porque sou um, mas é nessas horas que percebemos que a vibrante reunião em família de tios, tias, primos, sobrinhos, enteados, cachorros, vizinhos, e seja lá mais quem estiver no portão, é a verdadeira imagem esculpida do inferno!

Preconceitos à parte, a conversa já inicia com a preocupante pergunta, gritada pelo tio barrigudo: "Porra, quem vai acender o churrasco?". Churrasco não se acende, se faz. A gente acende é a churrasqueira, mas até explicar isso pro anfitrião empolgado, já levamos uma baforada de álcool pela cara. "Cadê a picanha? Soninha, traz lá a picanha!", maldita hora que aquele inteligente tio pede justamente pra menina mais pequena da casa, ir lá no freezer trazer aqueles pedaços gigantes de carne. Parece sacanagem, mas acho que eles fazem de propósito, para todos verem a pirralha se estabacar no chão com a carne que você vai comer e ainda rirem disso. Bom, eu não rio. Aliás, eu até choraria ao imaginar aquela mesma garotinha que minutos antes, estava brincando na terra ou coçando a bunda, metendo a mão nas carnes que vai ser consumida por todos. Pior que sempre tem aquela tia mais atenciosa que berra "Soninha, lava a mão antes!", e acredita que a garota vai mesmo lavar!!!

Enquanto essa lição de ingenuidade e burrice vai acontecendo pela casa, lá no quintal, o tio barrigudo cercado por mais outros tios barrigudos (parece uma concentração de leões-marinhos!) se degladiam para disputar a melhor cerveja a ser tirada do gelo. E o fogo na brasa que era o mais importante, os coroas esqueceram. Aí entra aquele primo mais exibicionista para entornar quase uma garrafa inteira de álcool Montenegro dentro da churrasqueira e riscar um palito de fósforo, como se estivesse num número pirotécnico de um circo, diante de uma platéia animada! O susto vem logo em seguida, quando após tacar o palito de fósforo no meio das brasas, aquela labareda gigante que mais parece ter saído de um caldeirão do demônio, é cuspida pra cima quase incendiando a cara do primo sorridente... e pior que o puto ainda permanece sorridente! Rapidamente, surge aquela tia gorda do meio do nada, como se tivesse saído de um portal dimensional, que você não vê há anos, - ou há décadas - dizendo o quanto eu cresci, o quanto eu estou forte, o quanto eu estou bonito, o quanto eu sou maravilhoso... porra, se não fosse minha tia gorda, eu juraria que era alguma louca querendo me dá! Respeitosamente, eu compartilho o sorriso amarelo, mas não posso dizer o mesmo dela. Além da tia gorda cheia de elogios, sempre surge junto aquele tio matusquela, acabadinho, quase corcunda e surdo, que deixa a bengala dentro do carro propositalmente pra mostrar pra todo mundo o quanto ainda é "jovem", e vem andando naqueles passos lentos, tortos e quase se despencando, e ainda rindo pra todo mundo como se todo mundo o conhecesse. Na boa, mas 90% não lembra dele e os outros 10% achava que o coroa já tinha "batido as botas" faz tempo!

Se eu achava que a coisa não ia piorar, uma prima retardada aparece e incita os demais a ouvir aqueles cds antigos de pagodes que só ela gosta, Exaltasamba, Jeito Moleque, Cara-Metade, Katinguelê, Katinga fudida e por aí vai... e tudo em som alto, pra deixar o meus nervos já querendo sair pelo cu. Nesse momento, ninguém mais estava se ouvindo, mas ainda fingiam que estavam falando! E enquanto isso, ainda estão lá aqueles tios que adoram exibir a barriga formato-butijão, tomando as cervejas já pelos gargalos e abanando, sem o menor controle, o fogo da churrasqueira. E isso, só servia pra espalhar ainda mais a fumaça com aquele cheiro misturado de asinha, coração, linguiça e alguns mosquitos torrados. Além de entrar pelas nossas gargantas, narizes e orelhas, a fumaça já infestava todos os ambientes da residência, e nem no banheiro que é do outro lado da casa, a gente podia ir mijar tranquilo sem ficar sufocado com a fumaceira, que expelia da churrasqueira velha com mais fagulhas do que uma locomotiva desgovernada.

Pra aliviar a minha garganta que estava ressecada de tanta fumaça - já que, algumas vezes, eu pensava que ia morrer entoxicado -, decidi beber mais do que comer, e o foda é que sempre surge, mais rápido que a luz, aquelas crianças barulhentas que gostam de correr em volta das nossas pernas, esbarrando em mim e fazendo eu entornar tudo do copo e me babar todo, igual um débil mental com Mal de Parkinson! Putaquipariu, que raios de mania é essa que as crianças têm de correr em volta das nossas pernas? Porra, vão correr no quintal que tem espaço ou lá na rua, pra serem atropeladas de vez, mas em volta das nossas pernas??? E ainda tem um pivete no meio que decide acertar um soco num deles, mas que sempre erra e acerta em você! Aí a gente ouve aquele grito saindo das profundezas: "Arlaílton, meu filho... pára de correr aí dentro! Vai quebrar alguma coisa!". Notem a preocupação da mãe e percebam que ela está evitando apenas que o molequinho rebelde não quebre nada dentro de casa, mas que se foda a visita porque ela tá pouco se lixando se o filhinho dela ta acertando golpes no saco dos convidados! Pra completar o caos, o moleque contrariado, abre o berreiro e começa a chorar escandalosamente como protesto, e o choro aguçado e pirracento é mais alto do que uma araponga no cio.

Pronto, entre bebedeiras, carnes queimadas, moscas zunindo no teu ouvido e fofoquinhas de tias varizentas, o clima do churrasquinho de domingo estava completo! E eu, no final, ainda tenho que beijar todo mundo nos rostos melados de suor e apertar as mãos fedorentas de toda aquela parentada infernal.

* Na próxima, com certeza, irei ao zoológico... os animais de lá são muito mais comportados!